sábado, 27 de março de 2010

Não se esqueça de mim...

   Como se essa meia coisa de ser e ter fizessem de fato sentido. Acontecimento nenhum este que impõe a sinuosa falta do que não me falta. Pode ser que seja esta relatividade de amor jogado, ou este sentimento que alugo como “e se”...
   E se eu ficasse, e se eu quisesse, e se fosse ela quem desse adeus, e se não acabasse e se tivesse de novo, e se eu a amasse, e se ela? São tantas lacunas e tão poucas proximidades, tantos buracos e tão pouco amor. Pergunto-me se jogamos fora metade do ser que éramos por presunção e capricho, ou se apenas fizemos da razão certeza, qual foi? E como procede?
  Queríamos tão pouco um do outro e parecíamos exigir tão mais do que salientavam sobre a tua espera – não esperei nada e por isso não tive nada -, tão mais do que diziam, tão mais daqueles que não queriam e também sobre quem teve e não quis. Tivemos este breu e uma dor mansa, uma cólica que abatia e o remédio era distância. Em meio a este caos, nos levantamos e fomos em frente... Mas, e se?
  Esse “se” também se foi, restaram lembranças, poucas e maleáveis, tenho medo do que vai sumindo, do que vai deixando e do que já não é mais, tenho medo deste sentimento de “e se” e da pouca falta que me faz, tenho medo de você, tenho medo da distância, tenho medo... E esses medos se vão também, se vão com o resto, a sobra, que ficou de você em mim. Sinto falta do teu sexo, sinto falta dos teus suspiros, sinto falta do teu sorriso, sinto falta dos teus lábios me comendo, sinto falta do que parecia ser nojento e era apenas sentimento, quando não restava mais nenhuma parte do teu corpo a ser possuída - a ser limpa pela minha língua -, sentia que meu dever higiênico havia-se cumprido, insistente amor, dentro das tuas entranhas e dentro do meu intimo, faz falta.
  Mas, sei que não era amor, não era atração, não era nada disso, não era imundo como estes porcos deixam à vista, não se tratava de nada real, se tratava do desejo e das regras. Se for jogo, que seja... Ainda sim, foram metades complementares por pura “nojeira” detida em violação do intimo. Violei-te e você me violou, não devemos nada um ao outro e exatamente por isso estamos tão limpos e livres como se nada tivesse acontecido. E não aconteceu.
  Escrevo a você porque existe essa parte que falta ser posta pra fora, algumas coisas que eu te diria se você tivesse me ligado ontem, eu te diria tanta coisa, mas tanta bobagem e te faria rir e seria tão bom como se fossemos o que nunca fomos, e te faria feliz e te mostraria o quanto a tua felicidade fazia parte e não era amor, não pode ser amor, e te mostraria o quanto tentar poderia ser. Mas, não foi. E depois de tempos, não restarão resíduos da tua pele na minha, não sobrará cama alguma, não restará casa nenhuma em que coubesse nós dois, aquele Posto na Avenida Castelo Branco, aquele dia em fevereiro em que dançávamos gostos tão diferentes dos nossos, não vai caber o nosso mês no calendário, não vai caber lembrança alguma que traga dor, não nos aceitarão como lembrança...
  E o tempo vai passar, as nossas vidas vão passar, não vou ter notícias de você e nem você saberá de mim, só vou fazer questão de lembrar de como você era – mesmo que seja egoísta, sexual, autoritária, com o teu sorriso engraçado e as tuas farpas, aliás, as nossas, até mesmo do teu cabelo vermelho fogo e da tua voz de criança – e vou fazer questão de lembrar, de lembrar das partes que passaram e de como foi bom ter você por aqui... Uma pena saber que tudo na vida é uma grande ilusão diária, desde um emprego a um romance fajuto, uma pena saber que tudo na vida tem um fim, por mais que o sentimento deva ser eterno as pessoas enfim, tem de ir pro seu lugar.

(Ao som de: Palpite - Adriana Calcanhotto)

2 comentários:

  1. Arrancou lágrimas. Desperta lembranças adormecidas. Consigo entender como sente, como sentiu e como não sente mais.
    Quem disse que lembranças são necessariamente ruins, não sabe a asneira que diz...

    Te amo.

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  2. Meus olhos encheram de lágrima e olha que isso não acontece tão facilmente.

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